sábado, 5 de maio de 2007

Efavirenz e a massa de manobra

Por Ricardo Amaral e Natuza Nery da Uol notícias

BRASÍLIA (Reuters) - Ao assinar, nesta sexta-feira, o decreto de licenciamento compulsório (quebra de patente) do medicamento anti-Aids Efavirenz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que poderá aplicar a medida, inédita no Brasil, sempre que os fabricantes não praticarem "um preço justo" na importação de medicamentos.

"Nós estamos aqui dando um passo importante, isso vale com esse remédio, assim como vale para outros remédios... Se não tiver preço justo, temos que tomar essa decisão", disse Lula em cerimônia no Palácio do Planalto, diante de representantes dos cerca de 200 mil pacientes atendidos pelo Programa Nacional DST-Aids, do Ministério da Saúde.

Pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro poderá agora substituir o Efavirenz, fabricado pela Merck, por genéricos produzidos na Índia, pagando cerca de um quarto do preço praticado pelo laboratório norte-americano.

O Brasil pagaria à Merck, este ano, 42,9 milhões de dólares para distribuir Efavirenz gratuitamente a 75 mil pacientes, segundo o Ministério da Saúde.

"DESGRAÇA"

Esta é a primeira vez que o governo brasileiro recorre ao licenciamento compulsório, previsto no acordo de propriedade intelectual (Trips) da OMC. O Brasil pagará à Merck 1,5 por cento sobre o preço pago ao fornecedor da droga substituta do Efavirenz, pelos direitos de patente.

"Não é possível alguém ficar rico com a desgraça dos outros...Não só do ponto de vista ético é uma grosseria, como do ponto de vista político-econômico é um desrespeito. Entre o econômico e a nossa saúde, vamos ficar com a nossa saúde", disse o presidente.

Segundo o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, desde novembro de 2006 houve oito reuniões entre governo brasileiro e a Merck para negociar uma redução de preço. O Brasil vinha pagando 1,59 dólar por comprimido e queria uma redução para 0,65 dólar, mesmo preço praticado pela Merck na Tailândia.

"Fomos procurados pela Embaixada dos Estados Unidos e tivemos até uma reunião com o presidente mundial do laboratório, mas infelizmente não nos apresentaram uma proposta aceitável", disse o ministro na cerimônia.

O processo legal para o licenciamento compulsório do Efavirenz foi iniciado em 25 de abril, quando o ministro declarou a droga "de interesse público". Dois dias depois, a Merck ofereceu reduzir o preço da pílula em cerca de 30 por cento (próximo a 1,10 dólar), mas o ministro rejeitou a oferta.

"A única proposta que poderíamos aceitar seria igualar o preço para o Brasil ao preço da Tailândia. Não levaram em conta sequer o fato de que 75 mil pacientes usam Efavirenz no Brasil, contra cerca de 17 mil na Tailândia", disse o ministro Temporão.

"RESPEITO"

Em seu discurso Lula afirmou que "o Brasil não pode ser tratado como se fosse um país que não pudesse ser respeitado."

O representante dos pacientes de Aids no Conselho Nacional de Saúde, José Marcos Oliveira, discursou na cerimônia e elogiou o licenciamento, que classificou como "momento histórico."

"Esta é uma resposta do governo ao movimento social organizado. Os interesses econômicos jamais estarão acima do direito à saúde e do direito à vida", disse Oliveira.

O ministro José Temporão disse que o licenciamento foi "uma decisão madura, dentro da legislação internacional e das leis brasileiras", mas não será adotado como regra quando houver possibilidade de negociar preços com os laboratórios.

"Estamos neste momento negociando com um grande laboratório a redução de preço de outro produto e as negociações caminham muito bem", disse o ministro.

"Acho que este foi um caso muito especial em que o Brasil de maneira firme defendeu o interesse público", acrescentou, responsabilizando a Merck pela frustração das negociações sobre o Efavirenz.

O ministro disse que o Brasil pagará 0,45 dólar por pílula a fornecedores indianos de um genérico do Efavirenz, e não 0,44 dólar como havia informado na quinta-feira o Ministério da Saúde.

"A compra começará a ser feita imediatamente, por meio de organismos internacionais, como Unicef e Organização Pan-Americana de Saúde", disse o ministro, acrescentando que o Efavirenz será substituído pelo genérico indiano a partir de setembro.

ELOGIOS E CRÍTICAS

O médico Artur Kalichman, coordenador do programa DST/Aids de São Paulo, manifestou satisfação com a decisão do governo, ressaltando que todos os esforços foram feitos para um entendimento entre as partes.

"É importante entender que o que guiou a decisão foi o acesso ao medicamento e não a quebra de patente. Foi um ato legítimo", destacou.
A decisão do governo brasileiro também foi saudada pela ONG Médicos Sem Fronteiras.

"Esse é certamente um avanço importante em termos de aumentar o acesso (a medicamentos). Estamos muito felizes que o Brasil tenha se movido na direção certa", disse Michel Lotrowska, da campanha de acesso a medicamentos essenciais da ONG.

A Merck, fabricante do Efavirenz, se disse "profundamente decepcionada" e questionou a intenção do Brasil de solicitar o mesmo preço pago pela Tailândia pelo medicamento.

"A solicitação do governo brasileiro de um preço de custo que a Merck pratica em países menos desenvolvidos e com níveis elevados de prevalência de HIV/Aids em adultos não reflete sua capacidade, como 12a economia do mundo, de pagar mais ...do que os países mais pobres...", disse em nota Oscar Ferenczi, diretor-presidente da Merck no Brasil.

A Federação Internacional da Indústria Farmacêutica também emitiu nota, na qual afirmou que o licenciamento compulsório "é um caminho de confrontação que pode beneficiar interesses comerciais de empresas estatais locais... e elevar os custos das empresas inovadoras".

(Reportagem adicional de Mair Pena Neto no Rio de Janeiro e Terry Wade em São Paulo)

Um comentário:

tunico disse...

Xi... isto é briga de gente grande. Acho que o molusco vai perder ali na frente.