segunda-feira, 9 de abril de 2007

Entrevista

Seguem trechos da entrevista do novo ministro da justiça (Tarso Genro) e dirigente partidário chefe da polícia federal concedida à Veja. A revista pergunta em azul, o petista responde em vermelho e nós comentamos em preto. Recomendo aos leitores que economizem no óleo de peroba.


Veja – Seu antecessor era ligado ao PT, mas o senhor é o primeiro ministro da Justiça filiado ao PT e com uma história política vinculada ao partido. Há risco de, sob seu comando, a Polícia Federal virar uma polícia petista?
Genro –
O risco é zero. Desde a Constituição de 1988, os sucessivos governos foram profissionalizando cada vez mais a Polícia Federal. A margem de uso da polícia pelo poder político foi se estreitando cada vez mais. Portanto, repito: o risco é zero.

Inimigos - Risco zero de a polícia federal apurar qualquer coisa. Vejam vocês: o chefe da polícia federal é petista de carteirinha. Trata-se de um assinte. É uma aviso claro aos petistas e oposicionistas. Aos amigos tudo será permitido, aos inimigos, o peso da lei. A polícia é deles.


Veja – Claramente, há uma ala do PT querendo controlar a PF, manipulando inquéritos, investigações etc.
Genro – Políticos tentando instrumentalizar as instituições existem no PT, no PSDB, no PMDB. É recorrente. Não digo que sejam tentativas normais ou aceitáveis, mas apenas que são recorrentes. Portanto, sobre isso, não acho que o PT tenha feito nada de excepcional. O que posso afirmar é que todas essas tentativas são absolutamente equivocadas. Foram rechaçadas na gestão do Márcio Thomaz Bastos e serão rechaçadas na minha. Um dirigente do PT, sendo ministro da Justiça, precisa dar exemplo de comportamento republicano. É o que pretendo fazer.

Inimigos - Olha a cara-de-pau do rapaz. Ele mesmo se assume dirigente partidário e ministro da justiça! Só isso seria suficiente para derrubá-lo em qualquer democracia que se preze. Imaginem com que isenção ele vai comandar esse ministério e a polícia federal.


Veja – No primeiro mandato do presidente Lula, surgiram propostas para controlar a imprensa, a universidade, o Ministério Público, o cinema, a cultura. Essas tentações totalitárias podem voltar neste novo mandato?
Genro – Qualquer regulamentação do estado que venha a diminuir a circulação das idéias, que venha a estatizar e controlar a formação da opinião pública é antidemocrática. Não estou falando das propostas específicas que você mencionou, porque nem as conheço em detalhe, mas falando de uma questão de princípio. O estado deve interferir em apenas dois pontos na questão da informação. Primeiro, para garantir sua livre circulação. Segundo, para impedir que se torne veículo da criminalidade organizada, como algum órgão, digamos, fazendo promoção da pedofilia.

Inimigos - Ele tem que avisar isso ao seu partido. Petista é mesmo um ser interessante. Na hora de falar, é de uma forma, na hora de fazer, é de outra. Não admira que o petista-mor não tenha sequer confiabilidade para cumprir uma promessa.


Veja – Não se pode dizer que esse seja o pensamento do PT, não?
Genro – Gostaria de fazer uma reflexão sobre isso. Quando se fala de liberdades democráticas, a crítica que se faz ao PT é justa e ao mesmo tempo injusta. Vou me explicar. É justa porque o PT também se originou de organizações revolucionárias que defendiam a visão unitária do estado a partir da luta de classes. Mas a crítica é ao mesmo tempo injusta porque essa visão unitária do estado nunca foi hegemônica no PT. Hoje, é altamente minoritária, não tem nenhuma chance de vingar. É por isso, inclusive, que o PT vem sofrendo algumas dissidências. Dentro do partido, as visões mais tradicionalmente ligadas ao messianismo proletário tornaram-se cada vez menos expressivas. Hoje, independentemente de ranço ideológico aqui e ali, não há mais nenhum grupo no PT que defenda um projeto socialista compatível com a supressão das liberdades, com uma visão de dominação de classes, de estado classista. Além disso, só para fechar o raciocínio, a história nos ensina que, no Brasil, a violência contra as liberdades democráticas, contra a liberdade de imprensa, é coisa da direita, não do PT.

Inimigos - Nem poderia ser do PT mesmo, o PT nunca foi governo! Mas ao chegar lá, já mostrou o que quer. E o PT quer é TV pública, controle da mídia, da polícia federal, da imprensa, plebiscitos que não passam pelo parlamento, fiscais com poder de juiz etc, etc, etc.


Veja – O senhor elogiou há pouco a estabilidade democrática no governo FHC. Mas, em 1999, o senhor escreveu um artigo, intitulado "Por novas eleições presidenciais", no qual afirmava que a reeleição de FHC não era legítima e defendia que ele deixasse o cargo. O senhor se arrepende de ter escrito aquele artigo?
Genro – Na verdade, minha intenção com aquele artigo era fazer uma dura crítica às medidas econômicas tomadas logo no início do segundo mandato, em janeiro de 1999, que destruíram a âncora cambial da estabilidade. No artigo, coloquei taxativamente que o mandato de Fernando Henrique estava ilegitimado por aquele ato e, por decorrência, ele deveria convocar nova eleição. Meu objetivo foi fazer um duro ataque político, e não propor uma mobilização para interromper seu mandato. Na época, assim que leu o artigo, Lula me disse: "Esse seu artigo vai ser interpretado como um chamamento ao PT para fazer o impeachment. Seu artigo está errado". Lula tinha razão. Foi interpretado mesmo como se fosse um "fora FHC". A repercussão foi muito mais forte do que eu esperava. O conteúdo das críticas que está ali eu mantenho. Mas, se soubesse que teria sido apanhado como proposta de interrupção do mandato, eu não teria dado aquela forma.

Inimigos - Mais um retrato da síndrome petista. As palavras seguem um rumo, as atitudes seguem o rumo contrário.


Veja – Mas, dois meses depois, em outro artigo, o senhor chamou FHC de "o presidente fora-da-lei", pelo excesso de medidas provisórias, pela cooptação de deputados e pelo empenho em arquivar CPIs. Como Lula fez as mesmas coisas, ele também é um "presidente fora-da-lei"?
Genro – Dentro da normalidade democrática, acredito que as críticas à ilegitimidade do mandato são totalmente pertinentes, como foram pertinentes as críticas que a oposição fez ao presidente Lula. Naquela ocasião, apesar das críticas, Fernando Henrique conseguiu legitimar seu mandato, exatamente como fez o presidente Lula. O mérito da crítica está na disputa entre governo e oposição.

Inimigos - A oposição nunca gritou "Fora Lula". Ele poeria deixar de ser cínico e responder a questão.


Veja – Então, fica subentendido que a oposição critica tudo aquilo que ela mesma fará caso vire governo. Afinal, o presidente Lula abusa de medidas provisórias, coopta deputados e tentou impedir CPIs...
Genro – As situações podem ser análogas, as críticas são recorrentes e pertinentes, mas os resultados dos governos são diferentes. Primeiro, quem não legislar com medida provisória não governa. Isso não tira o direito de a oposição fazer crítica, mas o fato é que não governa. Em relação a CPIs, sabemos que existem as legítimas e as ilegítimas. É um direito da oposição pedir CPIs e é um direito do governo se opor a elas. E, quanto à cooptação de deputados, vivemos hoje uma situação-limite do sistema político. Os hábitos de formação de maioria são pré-republicanos. Hoje, as bases de sustentação de um governo são formadas por negociações regionais em cima de lideranças, não de partidos. O que o segundo governo do presidente Lula está fazendo é tentar modificar esse hábito, formando um governo com base num documento de coalizão política, valorizando os partidos – os partidos que temos, que são reais, que estão aí. Mudar isso, só com uma reforma política.

Inimigos - Tarso poderia contar a do papagaio. Alguém aí viu alguma coalizão baseada em projetos? Tenha paciência. O que se está assistindo é o maior loteamento da história. Menos demagogia, ministro.


Veja – O senhor apostaria um centavo na reforma?
Genro – Na reforma integral, não. A reforma política deve vir na seqüência da evolução pela qual a democracia vem passando. O próximo passo seria uma reforma política com fidelidade partidária, financiamento público de campanha e valorização dos partidos através de uma votação em lista.

Inimigos - Financiamento público já existe. O maior custo de uma campanha é o tempo de TV e esse somos nós que pagamos, mas eles querem mais. Voto em lista é o cúmulo. Vai distanciar ainda mais os eleitores dos eleitos.


Veja – Uma corrente do PT está empolgada com a tese de um terceiro mandato para o presidente Lula. Isso pode prosperar?
Genro – Se alguém do PT está pensando nisso, então está pensando contra o PT. Isso é contra o pensamento de 99% do PT, é contra o presidente da República e é um desserviço à democracia.

Inimigos - Hahahaha. Agora tá ficando hilário. A quem ele quer enganar? Dizer que 99% dos petistas são contra o terceiro mandato do Luis XIII! Eu teria terminado a entrevista nesse ponto. Não dá mais prá continuar a conversa. É muita cara-de-pau.


Veja – Em documentos internos, o PT defende que o presidente da República possa fazer consultas plebiscitárias diretas à população, sem passar pelo Congresso.
Genro – É uma discussão residual dentro do partido. Mas, de novo, é preciso levar em conta que essa idéia não prospera dentro do governo nem dentro do PT.

Inimigos - E essas idéias saem de onde, ministro? Do PSDB?


Veja – O senhor é a favor da anistia ao deputado cassado José Dirceu?
Genro – O governo não tem nenhuma posição sobre isso, não é uma questão governamental, não é uma questão do Ministério da Justiça. É uma questão hoje do José Dirceu e dos seus companheiros.

Inimigos - Quero lembrar ao ministro que os companheiros de Dirceu ocupam vários cargos estratégicos no governo Lula. Como esse assunto não é questão de governo?


Veja – O senhor já passou por outros três cargos, mas está no governo desde o primeiro dia do primeiro mandato. Qual foi seu maior aprendizado?
Genro – Foi compreender a complexidade de governar democraticamente o país. Eu achava que bastava ter uma maioria eleitoral, pois isso se refletiria nas questões do Parlamento. Mas é muito mais complexo. Outro aprendizado relevante é sobre decisões macroeconômicas. Sempre pensei que as mudanças macroeconômicas, para fazer uma retomada forte do crescimento, pudessem ser mais rápidas. Pensei que bastavam medidas administrativas diretas do presidente. Eu não contava com a diversidade real de interesses que existe na sociedade brasileira. E essa relação entre estabilidade e crescimento é muito mais complicada do que eu pensava.

Inimigos - Como era ingênuo e despreparado o nosso ministro!


Veja – A falta de segurança é, hoje, a principal preocupação do brasileiro. O que o senhor tem a dizer para o cidadão que anda com medo de sair às ruas?
Genro – Assumo o compromisso, em nome do governo e acima de qualquer relação partidária ou ideológica, de trabalhar com os estados e os municípios para que os cidadãos brasileiros voltem a ter prazer de sair às ruas com segurança. Hoje, com os escritórios integrados de segurança, com os programas sociais, com o aprimoramento da inteligência policial, é possível firmar um pacto federativo de segurança pública muito forte com estados e municípios. São questões tão universais que dificilmente serão partidarizadas.

Inimigos - Ele esqueceu de citar o bolsa-bandido que o PT do Rio está criando. Volto a dizer que o motor da violência é a impunidade e o minsitro, assim como o presidente, considera que a impunidade para quem tem menos de 18 anos deva ser total, absoluta e assegurada no código penal.

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